Corbières, França – Uma taça de vinho pode conter muito mais do que aromas e sabores. Para Clea Francisca de Paula, ela guarda também uma história de superação, paixão e pioneirismo. A sommelière baiana acaba de conquistar um feito inédito: tornou-se oficialmente jurada técnica das comissões de degustação das prestigiosas denominações de origem AOC Corbières e AOP Boutenac, no sul da França — e, até onde se tem notícia, é a primeira brasileira a ocupar esse posto.

Em um universo ainda amplamente dominado por especialistas europeus, a chegada de Clea a esse seleto grupo representa uma quebra de paradigmas e um símbolo do crescente reconhecimento internacional dos talentos brasileiros no mundo do vinho. O convite é fruto de uma jornada que começou há mais de 15 anos, no Brasil, e que encontrou nas vinhas francesas o terreno fértil para florescer.

"Essa conquista é, para mim, mais do que um reconhecimento técnico. É a celebração de uma trajetória que começou em São Paulo em 2008, com uma jovem baiana estudando vinhos enquanto enfrentava desafios diários na cidade grande", conta Clea.

A participação de Clea nas comissões das AOC Corbières e AOP Boutenac não é apenas simbólica — ela agora integra os painéis responsáveis por avaliar se os vinhos produzidos nessas regiões estão tecnicamente aptos a receber o selo de origem controlada. E o critério é rigoroso: não se trata de julgar estilos ou preferências gustativas, mas sim de identificar falhas estruturais como oxidação, acidez volátil, contaminações microbiológicas e defeitos raros, como o temido "gosto de rato".

Para isso, Clea passou por uma formação intensiva no histórico Château de Boutenac, onde aprendeu a metodologia sensorial usada nos exames oficiais das denominações. "Degustamos vinhos com os piores defeitos possíveis — algo essencial para desenvolver um paladar técnico, treinado para garantir a integridade e a reputação da região diante do consumidor", explica.

A nomeação é também um desdobramento de sua atuação como embaixadora das comemorações dos 20 anos do Cru Boutenac, em 2024, e de sua presença em eventos de prestígio como a Wine Paris. Este ano, Clea também foi jurada da seleção oficial da Maison des Vins du Minervois e do influente Guide d’Achat des Vins de France.

A experiência no sul da França, onde vive e trabalha atualmente, deu a ela um olhar profundo sobre os terroirs do Languedoc-Roussillon, sua diversidade e sua riqueza. Uma expertise que não veio por acaso: Clea já passou por vinícolas de peso, incluindo o maior produtor da região, acumulando conhecimento técnico e sensibilidade cultural ao longo do caminho – Gerard Bertrand.

"Quando olho para trás, vejo que cada passo me preparou para este momento. Estar aqui hoje é a prova de que o vinho também é feito de histórias humanas. E que, mesmo vindo de longe, com esforço, estudo e paixão, a gente pode encontrar um lugar à mesa", Menciona a sommelière.

Agora, além da atuação técnica, Clea também compartilha sua paixão com o público por meio de experiências enoturísticas. Ela acaba de lançar a Syrah Wine Tour — um site e projeto pessoal voltado para turistas que desejam explorar a cultura do vinho no sul da França. A plataforma oferece passeios guiados em português, francês e inglês, visitas a vinícolas locais, almoços harmonizados e roteiros personalizados entre paisagens mediterrâneas, vilarejos históricos e produtores autênticos.

"A Syrah Wine Tour nasceu do desejo de aproximar as pessoas do terroir de forma acolhedora e educativa. É um convite para conhecer a alma do vinho, diretamente da fonte", afirma Clea.

Do sertão da Bahia ao sul da França, Clea Francisca não apenas percorreu um caminho — ela abriu uma trilha. E agora, ergue sua taça não só em celebração, mas como um convite para que outros brasileiros também sonhem grande.

Fotos: Divulgação