Cardapios

Comendo na Espanha como os espanhóis


Postada em 06/04/2013 às 18:21
Por Glaucia Balbachan


 Especial da Espanha

Além de Luci Leite ser tradutora inglês/espanhol para o português é uma nova e querida amiga, que vai contar sobre suas experiências gastronômicas para o Empratado. Suas grandes paixões são viajar, ler, escrever e cozinhar e é disso que ela fala no seu blog www.flanancias.com. Ela é de São Paulo, mas já morou alguns meses na Inglaterra, sete anos em Buenos Aires e agora está há quase dois anos em Múrcia, na Espanha. (Deguste o texto - é um verdadeiro regalo!)
 A comida espanhola é, para nós brasileiros, praticamente desconhecida. Basta perguntar para qualquer pessoa que você tem ao lado: quais são os pratos típicos espanhóis? Pouquíssimas pessoas irão além da “paella”. Entretanto, a cozinha espanhola é riquíssima não só pela variedade das diferentes regiões, mas também pela qualidade dos pratos e dos produtos locais. Não é casualidade que um dos chefs mais reconhecidos atualmente em todo o mundo seja espanhol, o Ferran Adrià, proprietário do concorridíssimo e proporcionalmente caríssimo El Bulli.
 
Só que a paella talvez esteja para um espanhol como a feijoada está para um brasileiro: não se come todos os dias! E mais ainda: só se come no almoço. Por isso, para eles é fácil identificar um turista à noite no restaurante, porque só os turistas comem arroz na janta (do mesmo modo que nós brasileiros também não comemos feijoada à noite).
 
Suculentas azeitonas
 
As refeições em casa na Espanha são pouco elaboradas, mas consistentes. Na verdade, ouvi muita gente reclamar de como se cozinha cada vez menos aqui, como em todos os lugares do mundo, por falta de tempo ou de dedicação. O que eu vejo, porém, é que todo o mundo cozinha alguma coisa, alguma delícia e todos adoram comer! Mas adoram mesmo... Como é lógico, não há uma comida típica em toda a Espanha: no sul prevalece a dieta mediterrânea à base de peixes, mariscos e verduras, enquanto que, no norte, onde faz mais frio, os ensopados, as carnes e os embutidos formam parte da cozinha cotidiana.
 

Merluza a la vasca
 
Em geral, as refeições estão compostas de dois pratos: un “entrante” e um “principal”. O entrante pode ser uma salada, alguma verdura refogada, uma “tortilla”, algum embutido, marisco, etc. Não há regra. O prato principal é mais contundente, lógico, e embora o arroz seja importantíssimo para o espanhol, ele raramente é um acompanhamento, como para o brasileiro. O pão é o carboidrato sempre presente à mesa, tanto para ensopá-lo de molho, para limpar o prato ou para empurrar a comida.
 
 

Paella
 
O arroz aqui é coisa séria! Não é qualquer um que sabe fazer. O tipo mais comum e mais apreciado para eles é o “arroz bomba”, com o qual se faz a paella, por exemplo. Trata-se de um arroz redondinho, parecido ao arbório ou carnaroli que no Brasil conhecemos no risotto. Cada região tem seu prato típico de arroz: a paella (arroz com mariscos e açafrão) é de Valência; em Múrcia, temos o “arroz com coelho e caracóis”, “arroz com verduras” (oitava maravilha do mundo, na minha opinião) e o “caldero” (arroz feito com caldo de peixe, na região de Cabo de Palos). Agora, é necessário falar a verdade: a grande maioria dos espanhóis não usa açafrão de verdade todos os dias, mas sim um colorante alaranjado; inclusive restaurantes muito bons que servem paella de primeira usam o tal colorante. Portanto, o arroz é um prato em si, rico e saboroso, e não um acompanhamento.
 
Os guisos ou ensopados também variam de uma região para outra, principalmente pelo tipo de embutido que se usa e o tipo de legume. Os espanhóis são fantáticos por feijões de todo tipo (branco, preto, vermelho, fradinho), grão-de-bico, lentilhas, favas, ervilhas, etc. O famoso "cocido madrileño", por exemplo, se faz com grão-de-bico, enquanto que a "fabada asturiana", prato típico dessa região do norte, se faz com as "fabes", um feijão branco gigante. Em Múrcia, por exemplo, um dos pratos típicos é a "olla gitana" (ou ensopado cigano), feita com grão-de-bico, abóbara, vagem e hortelã.
 
Cocido madrilenõ
As "tapas" também são bastante conhecidas como próprias da cozinha espanhola, só que, ao contrário do que muitos pensam, elas não são um prato, mas sim uma forma de comer. Você pode comer uma "tapita de paella", por exemplo.
 
Na Espanha estão os bares de tapa e os restaurantes. Na maioria das vezes um restaurante serve tapas, mas nem todos os lugares vão servir um prato de comida individual como comemos no Brasil e em muitos lugares do mundo em um restaurante. As tapas são porções pequenas, servidas no centro da mesa, para que os comensais belisquem, cada um com o seu garfo e, mais raramente, servindo-se uma pequena porção no seu próprio prato.
 
 
Algumas tapas são comuns em todas as regiões, como os croquetes (que, aliás, não têm nada a ver com os brasileiros e são maravilhosos!); outras variam por região, como sempre. No País Basco, por exemplo, os "pintxos" são as tapas mais comuns: são uma fatia de pão servida com uma porção de comida em cima (um embutido ou até um croquete). Uma "tapa" muito típica daqui de Múrcia, por exemplo, é a "marinera": uma espécie de bolacha coberta com salada russa com uma anchova em cima. E se você pensou "credo, que coisa salgada é a anchova" é porque você não comeu a anchova na Espanha! Aqui ela parece mais fresca, não é tão salgada e é macia.

Tapas
Todos sabemos que os azeites de oliva espanhóis estão entre as mais deliciosas iguarias do mundo. Aqui o azeite é tão comum que se compra no supermercado por litro de plástico, como no Brasil se compra óleo, e num preço bem parecido a um óleo bom brasileiro.
 
O "jamón", ou presunto cru, é outra maravilha que aqui se come o tempo todo. E nem precisa falar "jamón crudo", porque jamón é sempre o "crudo", só se especifica a diferença quando se come "jamón York", que é o nosso presunto cozido brasileiro. Aqui tem gente que compra uma perna de jamón inteira e deixa em casa para ir comendo aos poucos. Minha médica me disse que eu posso comer todo o jamón que eu quiser, porque não aumenta o colesterol. Imagino que se ela disser para um espanhol deixar de comer jamón, o sujeito se mobiliza para tirar o CRM dela!
Entre outras delícias típicas da Espanha estão os embutidos, que são variadíssimos e saborosos. Estão os "chorizos" (linguiças) crus e defumados, condimentados de todo jeito, e as "morcillas" (o chouriço brasileiro, ou seja, uma linguiça feita com sangue), que também variam por região. A morcilla de Múrcia é feita com cebola, a de León é apimentada e servida aberta, a de Burgos é feita com arroz, e assim por diante...
 Na verdade, a carne de porco é um primor aqui, enquanto que a carne de vaca é mais cara e nem sempre é muito boa. Também o cordeiro é ótimo e eles sabem preparar de formas deliciosas.
Além disso, estão os queijos espanhóis, de vaca, de cabra e de ovelha. Aqui tem queijo branco parecido ao nosso queijo mineiro; tem o "machego", servido em Madri (Castilla-La Mancha), por exemplo, como tapa; o queijo "cabrales" é uma espécie de gorgonzola fortíssimo, e por aí vai...
Quanto ao vinho, o mais internacionalmente conhecido é o Rioja, da região com o mesmo nome, mas tem outras regiões na Espanha que produzem vinho e Múrcia é uma delas, com seu Jumilla.
 No Brasil, qual o melhor lugar para comer um acarajé? E a melhor pizza? E a melhor carne? E o melhor tutu de feijão? Todos nós sabemos! Embora em todas as cidades possam ter bons restaurantes de outras regiões, nada como saborear os pratos típicos de cada lugar no seu lugar de origem. Se vier passear pela Espanha, aconselho que se informe sobre o que se come e se toma em cada região (e também como se come!), aprendendo, assim, um pouco mais sobre a cultura do país, que vai muito além das castanholas e das touradas. Com certeza, você pagará menos e comerá melhor pelo pratos da cozinha local.
 
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